Uma abordagem sobre o pós-Maio de 1968 e sobre as repercussões do palco revolucionário no cotidiano, principalmente dos jovens, em uma época imediatamente posterior.
O
nome do filme refere-se aos movimentos revolucionários e ao ativismo de
esquerda que ocorreram na França em maio de 1968, os quais tiveram início a
partir de uma greve geral que acabou atingindo proporções revolucionárias,
mas que foi freada pelo Partido Comunista
Francês, de
orientação Stalinista, e suprimida pelo governo, que acusaram
os Comunistas
de tramarem contra a República.
Na época, greves estudantis ocorreram em universidades
e escolas de ensino
secundário em Paris, havendo confrontos com a
administração e com a polícia. Após duras ações policiais sobre essas greves, o
conflito aumentou e acabou culminando na greve geral de estudantes e em greves
com ocupações de fábricas em toda a França, às quais aderiram dez milhões de
trabalhadores, aproximadamente dois terços dos trabalhadores franceses. Os
protestos chegaram ao ponto de levar o general de Gaulle a criar um quartel
general de operações militares para obstar à insurreição, dissolver a Assembléia Nacional e marcar eleições parlamentares para 23 de Junho
de 1968.
O significado que esses movimentos
adquiriram não se restringiu a seus objetivos políticos. Politicamente os
movimentos de 1968 acabaram fracassando com a reeleição de Gaulle. Entretanto
os movimentos de 1968 repercutiram em vários países influenciando outros
movimentos estudantis. A França controlou os movimentos estudantis, mas as
ideias revolucionárias perduraram e influenciaram estudantes de várias partes
do mundo. Os slogans dos jovens franceses, como é proibido proibir e prazer
sem restrições tiveram um grande apelo para a juventude ocidental.
Pode-se afirmar que as mudanças pós
1968 foram mais sociais do que políticas. Mudanças sociais e de valores ocorrem a partir
de 1968 no nível da vida cotidiana dos jovens. Muitos jovens viam os eventos como uma oportunidade para
sacudir antigos valores, através da contraposição de ideias sobre a educação, a sexualidade e o prazer.
O filme se passa na França em torno de
1971, em Paris, como mostra o letreiro inicial. A pretensão do filme é analisar
o engajamento dos jovens e a “atmosfera” do lugar em um período imediatamente
posterior a Maio de 1968, vivenciando as transformações decorrentes de 68 e a
reverberação dessas em anos posteriores.
O filme divide-se em cenas em que os
jovens fogem da polícia, manifestam usando máscaras, picham muros e distribuem
jornais militantes e cenas em que esses mesmos jovens precisam lidar com
escolhas pessoais em momentos decisivos de suas vidas, tendo que optar entre a
militância e os seus anseios individuais - carreiras profissionais, vontades
das famílias ou países em que morar.
O personagem principal, Gilles, é um
estudante do ensino médio em confronto com a tropa de choque do governo
conservador. Gilles está constantemente dividido pelos seus anseios coletivos e
individuais, representados respectivamente pela militância e pela dedicação à pintura
e o gosto pelo rock. O protagonista também experimenta essa fragmentação e
angústia na vida amorosa, dividindo-se entre atrações por duas diferentes
mulheres, Laure e Christine. Laure busca a todo tempo viver intensamente o
momento presente e desfrutar de liberdade e de prazeres. Christine é uma
personagem politicamente engajada.
O filme aponta para a dualidade da
vida nas várias cenas em que os jovens ficam diante de opções e precisam fazer
as suas escolhas. Essa dualidade que permanecerá durante a trama e também o
ambiente confuso que se instalará na vida dos jovens já são sinalizados no
início do filme, quando em uma das cenas iniciais o professor cita um filósofo
e diz que “entre o inferno e o nada há apenas a vida, que é a coisa mais frágil
do mundo.”
Em uma conversa entre Gaulle e Laure,
surge a questão: “Viver o presente ou se preparar para o futuro?”. O cotidiano
do personagem e as suas inquietações no campo político, pessoal e amoroso
refletem a existência de jovens confusos em uma época de constantes
transformações sociais e ideológicas.
Quando Laure vai para a Inglaterra,
Gilles começa um romance com Christine. Gilles decide ir com Christine para a
Itália após um acidente com um vigilante provocado por um dos manifestantes do
seu grupo. A viagem funciona como uma fuga individual do jovem no momento em
que os anseios coletivos falham. Não só a viagem de Gilles à Itália, mas também
as viagens ao Oriente feitas pelo casal amigo do protagonista e o uso de drogas
por Laure e a sua turma parecem ser uma fuga individual desses personagens. Embora
a busca por prazeres imediatos, o sexo, o uso de entorpecentes e a possiblidade
de experimentação seja um reflexo do clima revolucionário de Maio de 68 e das
liberdades alcançadas, esse hedonismo acaba funcionando, no pós-Maio de 1968, como
refúgio de uma juventude em um período confuso e de constantes questionamentos.
Por outro lado, alguns personagens
acabam conectando, conscientemente ou não, os seus anseios coletivos aos seus
planos pessoais e profissionais, canalizando as suas inquietações no campo das
artes, do cinema, da literatura ou da dança.
O filme trata da experimentação, das
escolhas individuais dos jovens e da reverberação dessas no nível da
coletividade. Se no início da trama é clara a relação de união existente entre
os jovens - na escola e durante as reuniões e manifestações - à medida que os
jovens adquirem clareza sobre o caminho que querem seguir, o grupo de amigos
gradualmente se separa. As características individuais dos jovens ficam cada
vez mais marcadas e as suas escolhas acabam impossibilitando-os de ficarem
juntos. Essa separação entre os personagens ocorre de forma diluída na trama,
não havendo um momento de ruptura.
Christine integra a um grupo na Itália
que trabalha com uma linha de filmes revolucionários. Quando os idealizadores
do filme exibem uma reflexão sobre as relações de trabalho, alguém da plateia
questiona por que a linguagem do filme não é também revolucionária. Esse
questionamento nos remete a reflexão sobre o fato de que, assim como o filme do
grupo de Christine, os jovens do “pós Maio” apenas experimentam em partes o
clima Revolucionário proveniente de 68, permanecendo confusos e divididos. Gilles
e seus amigos não participaram das lutas de 68, apesar de serem fortemente influenciados
pela herança da contestação e da experimentação.
Amanda Faluba