UM OLHAR SOBRE A FAVELA
Artigo:
Origem da favela e considerações sobre sua inserção na cidade do Rio
Origem da favela e considerações sobre sua inserção na cidade do Rio de Janeiro
Para se compreender os aspectos da favela e de seus moradores, deve-se compreender o seu processo de formação. De acordo com Licia Valladares, em seu texto “A gênese da favela carioca”, as primeiras discussões a respeito da pobreza urbana teriam surgido no século XIX. Nesta época, diversos profissionais aprofundaram os seus conhecimentos sobre as classes menos favorecidas com o intuito de descrever e propor medidas de combate à miséria e à pobreza. O foco principal destes profissionais recaiu inicialmente sobre a moradia, mais especificadamente, sobre o cortiço, apontado posteriormente como a origem das primeiras favelas.
A favela inicialmente era vista como um espaço de ocupações temporárias. Somente passando a ser reconhecida no cenário do Rio como um problema a partir do momento em que a elite e os intelectuais da época sentem a influência direta destas ocupações no espaço urbano em geral.
“[...]Os primeiros interessados em esmiuçar a cena urbana e seus personagens populares voltaram sua atenção para o cortiço, considerado no século XIX como o lócus da pobreza. [...] O cortiço era tido como antro não apenas da vagabundagem e do crime, mas também das epidemias, constituindo um espaço de ameaça às ordens social e moral.”
“Os estudiosos do cortiço no Rio de Janeiro mostram que esta forma habitacional correspondeu à “semente da favela”.
VALLADARES, Licia. (2000), “A gênese da favela carioca. A produção anterior às ciências sociais”. Publicado na Revista Brasileira de ciências Sociais – VOL. 15 nº 44
“construídas contra todos os preceitos de hygiene, sem canalisações d’agua, sem exgotos, sem serviço de limpeza pública, sem ordem, com material heteróclito, as favelas constituem um perigo permanente d’incendio e infecções epidêmicas para todos os bairros através dos quaes se infiltram.”
AGACHE, Alfred (1930), Cidade do Rio de Janeiro: extensão remodelação – embelezamento. (p. 190)
Rio de Janeiro, Prefeitura do Distrito Federal.
Portanto, essas preocupações com a população de baixa renda e com suas moradias surgiram paralelamente às políticas de saúde pública, saneamento e embelezamento do Rio de Janeiro, na qual se empenharam jornalistas, médicos, engenheiros e outros profissionais preocupados com o futuro da capital da República.
Para estes profissionais que primeiramente analisaram a favela, esta constituía um território de desordem social, antiestético, insalubre e sem saneamento. Além representar o berço do crime na cidade. Sabe-se que, nesta época, por não haver ainda estatísticas oficiais sobre o espaço e a população da favela, muitas destas descrições eram baseadas apenas na observação superficial do lugar. Posteriormente, a partir de 1949, data da publicação dos dados do Primeiro Censo das Favelas - realizado pelo IBGE e executado pelo Departamento de Geografia e Estatística da Prefeitura do Distrito Federal - os vários aspectos da população carioca das favelas puderam ser mais bem detalhados – qualidade de vida, renda, cargos ocupados, escolaridade, condições de saneamento, dentre diversos outros fatores. Estas características foram agrupadas por regiões da capital e puderam ser analisadas com mais cautela.
A partir destes dados também, a relação da vida econômica e social da capital, com a população de baixa renda, passou a ser estudada com base em informações mais precisas. Assim como foram colocadas em questão várias generalizações e opiniões públicas a respeito da favela – como, por exemplo, a afirmação de que seus moradores se apropriaram do território sem pagar nada por ele, ou a idéia de que a maioria dos moradores da favela não trabalha e que boa parte está ligada ao crime e ao vandalismo.
Como revela um dos resultados apurados pelo IBGE, com relação às categorias Socioocupacionais dos moradores das favelas do Rio:
0,8% dos moradores compõem a elite;
5,6 a pequena burguesia;
15,2 a classe média;
27,8 para Operário;
33,5 Proletários do Terciário;
17,1 compõem os Subproletários.
Fonte: Fundação IBGE. Censo Demográfico 1991.
(1)Elite: empresários e executivos dos setores público e privado e profissionais de nível superior; Pequena Burguesia: pequenos empregadores do serviço doméstico e comércio; Classe Média: Empregados em ocupações de rotina, supervisão, segurança, ensino básico e técnicos; Operários: Trabalhadores da Indústria e construção civil; Proletários do Terciário: Prtestadores de serviço e comerciários,
Subproletários: Trabalhadores domésticos, ambulantes e biscateiros.
Entretanto, antes mesmo destas pesquisas serem feitas, alguns profissionais já haviam tentado dissolver tais idéias e generalizações amplamente difundidas na mentalidade da população a respeito das habitações populares - como o engenheiro civil Everardo Backheuser, ao descrever o morro da Favella:
“[...]Alli não moram apenas desordeiros e os facínoras como a legenda espalhou; alli moram também operários laboriosos que a falta ou a carestia dos cômodos atira para esses logares altos, onde se goza de uma barateza relativa e de uma suave viração que sopra continuamente, dulcificando a rudeza da habitação.”
BACKHEUSER, Everardo. (1906, Habitações populares. Relatório apresentado ao EXM. Sr Dr. J.J Seabra, Ministro da Justiça e Nnegócios Interiores. Rioo de Jneiro. Imprensa Nacional.)
Também o jornalista João do Rio, ao descrever as condições de moradia no morro de Santo Antônio, já comentara o fato de muitas moradias, mesmo sendo extremamente precárias e assentadas sobre terreno irregular, serem adquiridas pelos moradores através da compra:
“[...]O certo é que hoje há, talvez, mais de quinhentas casas e cerca de mil e quinhentas pessoas abrigadas lá por cima. As casas não se alugam, vendem-se [...] o preço de uma casa regula de 40 a 70 mil réis.” Tôdas são feitas sobre o chão, sem importar as depressões do terreno, com caixões de madeira, folhas-de-flandres, taquaras.”
RIO, João do. (1911), “Os livres acampamentos da miséria”, in L. Martins (org), João do Rio (uma antologia), Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro/Sabiá.
A contraposição entre os pensamentos da população em geral a respeito da favela, difundidos na época, e o resultado das pesquisas feitas a partir do Censo das Favelas de 1941, nos faz pensar que as idéias dos cidadãos do Rio residentes fora da favela, sobre este espaço surgiram da observação superficial, ou estavam sustentados por constatações a partir de casos isolados. Posto que, o que as pesquisas revelaram é que boa parte da população da favela paga aluguel por suas casas, ou pagaram uma quantia por elas logo que se mudaram. E que a maioria dos residentes são trabalhadores, formais ou informais.
Essa primeira impressão da população sobre a favela pode ser explicada pelo seu impacto na paisagem da cidade. Por exemplo, um cidadão que nunca analisou a fundo as habitações populares e sua complexidade, ou alguém que nunca tenha lido sobre as origens das habitações populares, ao adentrar no espaço da favela, provavelmente, a enxergaria como um espaço diferenciado no interior da cidade. E talvez até alheio a ela. Poderia criar a ilusão de que a população da favela estaria, de certa forma, apartada da cidade. As habitações precárias assentadas sobre topografia irregular inseridas na paisagem organizada da cidade, poderia contribuir para esta impressão.
Porém, sabe-se que os moradores da favela se sociabilizam e estão inseridos no mercado de trabalho. O que está claramente evidenciado no filme “Santa Marta, Duas Semanas no Morro” (1987). O filme mostra, também, o desejo dos moradores de serem entendidos pela população da cidade em geral, como uma comunidade, aonde existem regras, aonde se faz política e aonde há cooperação. Constituindo um espaço social semelhante, em diversos aspectos, a espaços variados da cidade do Rio.
Amanda