quinta-feira, 3 de abril de 2014

COMENTÁRIOS SOBRE O FILME “DEPOIS DE MAIO” DE OLIVIER ASSAYAS

Uma abordagem sobre o pós-Maio de 1968 e sobre as repercussões do palco revolucionário no cotidiano, principalmente dos jovens, em uma época imediatamente posterior.


O nome do filme refere-se aos movimentos revolucionários e ao ativismo de esquerda que ocorreram na França em maio de 1968, os quais tiveram início a partir de uma greve geral que acabou atingindo proporções revolucionárias, mas que foi freada pelo Partido Comunista Francês, de orientação Stalinista, e suprimida pelo governo, que acusaram os Comunistas de tramarem contra a República.
Na época, greves estudantis ocorreram em
universidades e escolas de ensino secundário em Paris, havendo confrontos com a administração e com a polícia. Após duras ações policiais sobre essas greves, o conflito aumentou e acabou culminando na greve geral de estudantes e em greves com ocupações de fábricas em toda a França, às quais aderiram dez milhões de trabalhadores, aproximadamente dois terços dos trabalhadores franceses. Os protestos chegaram ao ponto de levar o general de Gaulle a criar um quartel general de operações militares para obstar à insurreição, dissolver a Assembléia Nacional e marcar eleições parlamentares para 23 de Junho de 1968.

O significado que esses movimentos adquiriram não se restringiu a seus objetivos políticos. Politicamente os movimentos de 1968 acabaram fracassando com a reeleição de Gaulle. Entretanto os movimentos de 1968 repercutiram em vários países influenciando outros movimentos estudantis. A França controlou os movimentos estudantis, mas as ideias revolucionárias perduraram e influenciaram estudantes de várias partes do mundo. Os slogans dos jovens franceses, como é proibido proibir e prazer sem restrições tiveram um grande apelo para a juventude ocidental.


Pode-se afirmar que as mudanças pós 1968 foram mais sociais do que políticas. Mudanças sociais e de valores ocorrem a partir de 1968 no nível da vida cotidiana dos jovens. Muitos jovens viam os eventos como uma oportunidade para sacudir antigos valores, através da contraposição de ideias sobre a educação, a sexualidade e o prazer.
O filme se passa na França em torno de 1971, em Paris, como mostra o letreiro inicial. A pretensão do filme é analisar o engajamento dos jovens e a “atmosfera” do lugar em um período imediatamente posterior a Maio de 1968, vivenciando as transformações decorrentes de 68 e a reverberação dessas em anos posteriores.


O filme divide-se em cenas em que os jovens fogem da polícia, manifestam usando máscaras, picham muros e distribuem jornais militantes e cenas em que esses mesmos jovens precisam lidar com escolhas pessoais em momentos decisivos de suas vidas, tendo que optar entre a militância e os seus anseios individuais - carreiras profissionais, vontades das famílias ou países em que morar.
O personagem principal, Gilles, é um estudante do ensino médio em confronto com a tropa de choque do governo conservador. Gilles está constantemente dividido pelos seus anseios coletivos e individuais, representados respectivamente pela militância e pela dedicação à pintura e o gosto pelo rock. O protagonista também experimenta essa fragmentação e angústia na vida amorosa, dividindo-se entre atrações por duas diferentes mulheres, Laure e Christine. Laure busca a todo tempo viver intensamente o momento presente e desfrutar de liberdade e de prazeres. Christine é uma personagem politicamente engajada.
O filme aponta para a dualidade da vida nas várias cenas em que os jovens ficam diante de opções e precisam fazer as suas escolhas. Essa dualidade que permanecerá durante a trama e também o ambiente confuso que se instalará na vida dos jovens já são sinalizados no início do filme, quando em uma das cenas iniciais o professor cita um filósofo e diz que “entre o inferno e o nada há apenas a vida, que é a coisa mais frágil do mundo.”


Em uma conversa entre Gaulle e Laure, surge a questão: “Viver o presente ou se preparar para o futuro?”. O cotidiano do personagem e as suas inquietações no campo político, pessoal e amoroso refletem a existência de jovens confusos em uma época de constantes transformações sociais e ideológicas.
Quando Laure vai para a Inglaterra, Gilles começa um romance com Christine. Gilles decide ir com Christine para a Itália após um acidente com um vigilante provocado por um dos manifestantes do seu grupo. A viagem funciona como uma fuga individual do jovem no momento em que os anseios coletivos falham. Não só a viagem de Gilles à Itália, mas também as viagens ao Oriente feitas pelo casal amigo do protagonista e o uso de drogas por Laure e a sua turma parecem ser uma fuga individual desses personagens. Embora a busca por prazeres imediatos, o sexo, o uso de entorpecentes e a possiblidade de experimentação seja um reflexo do clima revolucionário de Maio de 68 e das liberdades alcançadas, esse hedonismo acaba funcionando, no pós-Maio de 1968, como refúgio de uma juventude em um período confuso e de constantes questionamentos.
Por outro lado, alguns personagens acabam conectando, conscientemente ou não, os seus anseios coletivos aos seus planos pessoais e profissionais, canalizando as suas inquietações no campo das artes, do cinema, da literatura ou da dança.
O filme trata da experimentação, das escolhas individuais dos jovens e da reverberação dessas no nível da coletividade. Se no início da trama é clara a relação de união existente entre os jovens - na escola e durante as reuniões e manifestações - à medida que os jovens adquirem clareza sobre o caminho que querem seguir, o grupo de amigos gradualmente se separa. As características individuais dos jovens ficam cada vez mais marcadas e as suas escolhas acabam impossibilitando-os de ficarem juntos. Essa separação entre os personagens ocorre de forma diluída na trama, não havendo um momento de ruptura.
Christine integra a um grupo na Itália que trabalha com uma linha de filmes revolucionários. Quando os idealizadores do filme exibem uma reflexão sobre as relações de trabalho, alguém da plateia questiona por que a linguagem do filme não é também revolucionária. Esse questionamento nos remete a reflexão sobre o fato de que, assim como o filme do grupo de Christine, os jovens do “pós Maio” apenas experimentam em partes o clima Revolucionário proveniente de 68, permanecendo confusos e divididos. Gilles e seus amigos não participaram das lutas de 68, apesar de serem fortemente influenciados pela herança da contestação e da experimentação.

Amanda Faluba

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